Entrevista

Entrevista dada ao Jornal da Cidade de Bauru, em janeiro de 2010.


Amante da gramática e do futebol


Nascido e apaixonado por Bauru, Sinuhe Daniel Preto é professor de língua portuguesa e um amante fervoroso do esporte, principalmente no que diz respeito ao Palmeiras e ao Noroeste.

Quando jovem, e ainda sem saber que rumos seguir, ele optou pela faculdade de letras e, ao dar sua primeira aula, se apaixonou pela profissão, principal atividade exercida atualmente. “Fiquei maníaco quando passei a dar aulas, até hoje presto atenção em letras de música e logo penso em exemplos gramaticais”, diz.

Ao contrário da maioria dos garotos brasileiros, sua infância não foi marcada pelo futebol. “Eu nem gostava do esporte”. Foi em Santos, onde morou por três anos no início da adolescência, frequentando a Vila Belmiro, que a paixão apareceu e se fortaleceu. O coração passou a ser verde e branco e torcer pelo Palmeiras, uma verdadeira mania. 

De volta a Bauru, o Noroeste também ganhou espaço e, com ele, o Sinuhe narrador e comentarista se fortalecia. “A comunicação e o microfone sempre fizeram parte dos meus sonhos e desejos”, diz.

Amadurecido, o professor Sinuhe diz estar menos fanático pelo futebol e mais preocupado com o social. Tal preocupação vem despertando o seu desejo pela política, revelação que ele também faz na entrevista, além de falar sobre aventuras como torcedor, família, profissão e sonhos. Confira a seguir.


Jornal da Cidade - O trabalho como professor influencia em sua vida pessoal?

Sinuhe Daniel Preto 
- Sou professor de língua portuguesa (gramática) do ensino médio e cursinho e tenho um retorno bastante interessante trabalhando com jovens. Eles têm gana de viver, vivacidade, embora alguns não estejam nem aí para as coisas. Muitos têm uma formação que não dão valor à escola, ao que comer e beber. Hoje vou bastante para esse lado. Quero que eles valorizem o que têm nas mãos. O terremoto no Haiti, por exemplo, não é para ser pensado como um “ainda bem que tenho o que comer e vestir”. É um choque e muitos dessa geração, geralmente, não estão nem aí com isso. 


JC - Como é o professor Sinuhe?

Sinuhe
 - Uma vez uma diretora me disse: “O jovem, no caso o aluno, não é seu amigo, eles se confundem, são eternas crianças. Então pegue pesado e dê-lhes parâmetros e disciplina”. Realmente é uma coisa que vejo muitos professores fazendo e se dando bem. Porém, acredito que não existe aula sem humor. Você vê pessoas que se aproximam para contar problemas familiares, existenciais...Sempre pergunto se alguém tem alguma dúvida gramatical porque, essas, eu posso resolver. Já as existenciais, não porque também tenho muitas.


JC - Ouvi dizer que suas aulas são bem dinâmicas e atrativas...

Sinuhe
 - Ninguém gosta muito de regras e a gramática é uma soma delas. O aluno se engana, assim como todo mundo, que nascer brasileiro é o suficiente para saber a língua portuguesa. Mas quando ele estuda essas regras na escola, vê que é um idioma estranho ao seu cotidiano, cheio de regras e exceções. Fiz uma camiseta onde está escrito: Oração subordinada, adverbial, causal, reduzida, de gerúndio, amém! Até os médicos me indagam no consultório sobre meu gosto pela gramática. Só que a gramática não é um fim, é um meio. A língua portuguesa deve ser usada para você se sair bem, porque ela é o seu veículo de comunicação. Não vejo o mundo de outra forma. Só vejo comunicação. Por isso sou apaixonado pelas coisa boas dos veículos de comunicação. Desde o início pensei que falaria de gramática aos jovens, que eles entenderiam e gostariam. Vendo que os exemplos dos livros são muito diferentes dos exercícios de vestibulares, passei a pegar letras de música e a grifar o que me lembra gramática. Quando levava às salas de aula, mesmo os alunos que não gostassem de gramática, pelo menos cantavam a música ou guardavam. Assim, procuro atraí-los da melhor forma possível. Estou em uma fase sensível, em que me sensibilizo com a dor humana. Acho que perdi parte do meu sorriso por ver muita desigualdade social e hoje penso e falo sobre isso. Já fui advertido em escolas por dar minha opinião sobre alguns assuntos, principalmente políticos. Muitas vezes até evito falar sobre essas coisas porque as pessoas não deixam de ter razão, já que o que querem é uma disciplina, uma ordem e uma aula. 


JC - Lecionar sempre foi uma meta?

Sinuhe
 - Sempre tive o desejo de comunicação. Demorei quatro anos para fazer faculdade depois que parei de estudar - antes fiz um curso técnico de eletrônica. Durante esses quatro anos fiz um pouco de tudo: fui garçom, porteiro, vendi roupas na rua, trabalhei em uma emissora de rádio fazendo pesquisa na rua, entre outros empregos. Bom, um amigo me disse que faria geografia na Universidade do Sagrado Coração (USC) e me disse para fazer letras. Antes, prestei rádio e TV na Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Bauru, mas o curso foi cancelado porque havia mais vagas do que candidatos, isso em 1987. Minha segunda opção foi jornalismo, mas não quis fazer. Então, fui fazer letras na USC. Tive a oportunidade de dar algumas aulas, ainda na faculdade, e adorei aquilo. Fiquei maníaco: presto atenção em letras de música e já penso logo em exemplos gramaticais; vejo propagandas e penso em corrigi-las quando estão erradas. Mas não quero corrigir o mundo. Muitas pessoas acham que devem falar corretamente comigo porque sou professor de português, mas não é bem assim. Claro que ouvir uma mulher dizer obrigado, por exemplo, é horrível e corrijo quando posso, sim.


JC - Por que o curso de eletrônica? 

Sinuhe
 - Fiz somente porque minha mãe e minha irmã disseram que eu ganharia dinheiro com a profissão. Nem sabia o que era eletrônica, tanto é que não sei onde está meu diploma, não sei consertar um rádio e tenho medo de levar choque. 


JC - Você já organizou eventos? 

Sinuhe
 - Já fui boêmio e, em 1987, parti para a organização de festas e eventos e tive uma casa noturna chamada “Virô Brasil”. Montei uma agência de eventos e até nessa época o que eu mais gostava era fazer as chamadas de rádio, as propagandas. Essa sempre foi minha paixão. Narrava futebol de botão em casa e, quando descobri que Milton Neves fazia locução de quermesse, que Galvão Bueno pegava figurinhas e gritava os nomes dos caras das ilustrações, eu até me senti normal. 


JC - Como essa paixão se tornou real?

Sinuhe
 - Morei em Bauru até os 11 anos, quando me mudei para Santos. Até então não gostava de futebol. Foi quando conheci alguns amigos que gostavam muito do esporte. Um deles colecionava a revista Placar. Eu já era palmeirense porque ganhei uma camisa de um cunhado, mas nem sabia quem era o Palmeiras. Azar o meu porque aquela era a época áurea (risos). Esse cara me colocou para jogar bola, morei ao lado da Vila Belmiro e me apaixonei pelo futebol. Passei a jogar futebol de botão e a narrar, viciei naquilo. Para você ter ideia, a paixão pelo futebol me causava até problemas de relacionamento. Se a menina fosse corintiana, por exemplo, eu arrumava briga dizendo como ela podia torcer para esse time...O time da pessoa a rotulava para mim. Quando voltei a Bauru já gostava muito de futebol e comecei a acompanhar o Noroeste. Ouvia as emissoras e ficava maluco com aquilo. Até tentava imitar o Osmar Santos e outros narradores. Foi quando Ubiratan Alves Silva, o Bira, me chamou para ser repórter atrás do gol no amador. Dar o relatório do jogo era uma emoção muito grande, tinha uns 18 anos e me sentia “o repórter”. Corria atrás do microfone, dava pitacos sobre o Noroeste; as rádios me davam espaço. Em 1999 comentei jogos da Libertadores e apresentei o programa “Na Boca do Gol” pela Rádio 710 com o aval do saudoso Celso Zinsly e, em 2000, comecei a comentar os jogos do Norusca na TV Preve. 


JC - E quanto às torcidas?

Sinuhe
 -Tinha uns16 anos quando montei minha primeira torcida do Noroeste, a “Inferno alvi-rubro”. Em 1992 eu montei a “Noruscaipira”, que pegou fama. Tenho muitas histórias boas. Em 1993, fui a Campinas ver um jogo crucial entre o Noroeste e a Ponte Preta. Fomos em quatro pessoas em um Chevette vermelho e, chegando lá, fui direto perguntar para a polícia se teríamos proteção contra as torcidas adversárias. Eles nos perguntaram quantos torcedores iriam para o estádio, dissemos que mais de dez ônibus. Era mentira. Éramos quatro contra sete mil. Levamos uma sirene e uma bateria para fazer barulho caso o Noroeste ganhasse. Iríamos morrer de apanhar, mas não importava, era Noroeste acima de tudo. No intervalo estava zero a zero e os caras foram bater na gente. Para nossa surpresa e salvação, uma senhora (torcedora símbolo da Ponte Petra) apareceu e mandou os marmanjos embora. Eles se afastaram e ela passou o resto do jogo com a gente. Para nossa sorte, a Ponte ganhou. Quando fomos para o carro, havia uma emboscada para nós, Um dos meus amigos, que já foi policial, pegou uma arma, deu alguns disparos para o alto e saímos cantando pneu. Já pagamos até jogadores para fazer gols pelo time, entre muitas outras aventuras.


JC - Já cometeu loucuras parecidas pelo Palmeiras?

Sinuhe
 - Arrisquei namoro, amizades e até o casamento. Em 2000, na decisão da Mercosul entre Palmeiras e Vasco, meu filho menor tinha 20 dias e eu falei para minha mulher que tinha aula em Botucatu e fui ao jogo. Saí de São Carlos sem ingresso. Encontrei um ônibus com torcida do Palmeiras e fui junto. Só alegria no começo do jogo, 3 a 0 para o Verdão e minha mulher me liga no terceiro gol. Naquela época o celular não tinha identificar de chamadas. Atendi e aquela alegria no estádio: “É campeão”...Ela me disse que eu não precisava voltar para casa. Acabou o jogo em uma virada mais incrível que já vi, em 4 a 3 para o Vasco. Voltei com o agasalho do Palmeiras, todo mundo tirando sarro e levou um tempinho para ela entender o que é o time para mim. Não troco pessoas pelo futebol, tanto é que no próprio estádio falamos de nossas mulheres. Embora as pessoas não acreditem, melhorei muito. Já discuti com aluno, perdi amigos, entre outras coisas. Mas, trabalhando com o futebol, fui a vestiários e vi que, salvo exceções, os jogadores não estão nem aí para você. Foi quando decidi parar de brigar e me preocupar tanto. Tudo o que comprava era verde e branco. Não desejo o fanatismo a ninguém. 


JC - Um sonho próximo?

Sinuhe
 - Preocupo-me demais com a situação das pessoas nas ruas, gente mexendo em lixo... Pretendo ser candidato a vereador nas próximas eleições pelo Partido Popular Socialista (PPS). Penso muito sobre isso mas tenho meus receios. Vejo que há espaço para muita coisa e fico intrigado porque as pessoas não fazem. Um dos meus sonhos é trazer uma faculdade de medicina para Bauru, isso seria um grande avanço para a cidade.


JC - Quem é Sinuhe longe da sala de aula e do futebol?

Sinuhe
 - Gosto de jogar futebol, faço churrasco e brinco com meus filhos. Hoje sou mais família. Minha esposa é minha amiga, sempre me ajudou. Ela é a base sólida que me segura e eu, a emoção. Tenho medo de envelhecer e da morte. Meu grande sonho é fazer algo pela igualdade social e uma frustração talvez é não ter sido um grande jogador de futebol. Ainda não entendi o conceito de felicidade e acredito que meu amargor, assim como alegria, contagiam. 

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