Descansem em paz, Josés!

Publicado em 26/10/10

A sexta-feira não foi 13, mas pudera ter sido! Aos supersticiosos ou céticos, o penúltimo dia da semana deu-nos um mau final de semana! Faleceram os portugueses José Saramago e José de Nazaré Mendes! Paradoxalmente o ateu José e o religioso José de Nazaré! Será que há sempre duas pontas a ser atadas? O José, de entre outros, “Ensaio sobre a cegueira”, escreveu, sem pontuação, os pontos cruciais de nossa existência, não há como não ler o único lusófono Nobel da Literatura! 


Saramago não temia a morte e discutiu, inclusive, a sua intermitência! Ele defendia a igualdade entre os homens, excomungado, riu da lei dos homens! Quanto a Deus, o escritor discutiu-o, negou-o, excomungou-o, todavia acredito que o José do Nobel pensava muito nesse ser divino! 

Ao ser indagado sobre a cultura de seu país e dos homens, Saramago vociferou: “Desisto, ler é para poucos.” 

Já em terras já não tão sem limites, voltemos ao nosso José de Nazaré Mendes, homem com H maiúsculo,segundo muitos, que não tive o prazer de conhecer, somente me vendera os acepipes raros e inigualáveis feitos por sua artesanais mãos no açougue da Luiz Aleixo, do Higienópolis! Astral e alegria nos olhos lusíadas ao vender seus produtos, seu semblante era de um patriarca feliz com sua prole, sua gente, seus vizinhos, seus amigos ou não, vêm à minha mente as palavras de orgulho de sua neta, Mariana Mendes, ao falar de sua avô! 

A morte, essa "indesejável das gentes", segundo Manuel Bandeira, levou dois Josés e deixou-nos a rezar pelas Marias! Verto o sangue branco, cantado a quatro cantos por Saramago e lembro Clarice Lispector: "Abre o túmulo e dize-me: quem de nós morreu mais?" A literatura não será mais a mesma , o mundo adoeceu, a terra não sara, Saramago? O livro está encostado, inerte, intermitente, "não há mais ensaios, todos os nomes saíram de um Memorial do Convento numa Jangada De Pedra para a Viagem do Elefante navegando nas Intermitências da Morte," segundo O Evangelho Segundo Jesus Cristo. O poema é acéfalo, é ateu, é comunista sem sê-lo, será mago? O açougue não será mais o mesmo, não há mais o Zé, suas mãos não artesanam mais a carne, que não é do pecado, suas mãos acenam até breve e abençoam a estirpe respeitável, elogiável, diferenciada dos Mendes! 

No Bar do Português, um dos poucos onde se faz “botecoterapia”, o chope Brahma, sempre campeão dos bares, destacará os “guerreiros” , esses sim Guerreiros, os Mendes, que orgulharão seu Zé do Açougue! 

E no açougue do seu Zé, que nunca quis ser Zé Ninguém, mas sim o ora, pois, Zé, as pessoas ainda comprarão, farão seus raros pratos e guardarão a imagem especialíssima do Pai, do Homem, do Amigo, do tão importante quanto Saramago, Zé do açougue! 

E, acima do bem e do mal, Camões, Fernando Pessoa, Saramago e Zé do Açougue Mendes, uníssonos, gritam: "Ó mar português, quanto do teu sal, são lágrimas de Portugal?". E cá embaixo, no exílio da canção, a esposa de Zé do Açougue, Fernando, Vânia, Mara, Gisele, lembrarão o Zé do Açougue e versarão: "Tudo vale a pena se a alma não é pequena!". Descansem em paz, Josés, com quem os outros vão!

SINUHE DANIEL PRETO

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